Oi queridos :)
Tava aqui pensando sobre como as minhas matutações preferidas da vida rodeiam o tema "propósito".
Quando a gente pensa que não faz muito sentido só nascer, crescer, estudar, trabalhar, reproduzir, morrer, a gente fica atrás de algum sentido pra essa coisa toda da vida humana.
Sem querer restringir uma definição de propósito, eu gosto de pensar que meu objetivo por aqui é ser feliz, e só dá pra eu ser feliz se eu conseguir sentir mais paz dentro e só sinto paz dentro se eu for paz fora também, para o mundo e pra todos os seres. Isso acaba me fazendo cuidar meus atos, pra que eles estejam de acordo com essa minha vontade de agir de forma amorosa e pacífica em todos os níveis (nóis vive dando bola fora mas é isso que nóis tenta! kkkkkkk).
E hoje o objetivo do post é falar sobre uma das formas que eu tento ser paz fora, que é cuidar com o que eu acho graça e com o que eu faço graça.
Eu muito frequentemente digo (até já virou piada interna aqui em casa!) "mas qual que é o propósito disso??" diante de coisas que me parecem sem fundamento... e antes que se diga que a vida fica muito chata se tudo o que a gente fizer tiver que estar imbuído de propósito: isso não significa que absolutamente tudo o que a gente faz tem que servir a uma razão maior, louvável, pelo bem de todos. O propósito pode ser simplesmente se divertir, relaxar, descansar da seriedade da vida prática, e esses são propósitos importantíssimos pra nos manter leves e felizes. Mas é preciso cuidar: minha ação com propósito de alegria despretensiosa está afetando só a mim ou a outras pessoas também? Dentro do nosso quadrado, a gente pode ser o quão despropositado quiser. Mas se estou afetando os outros, COMO eu estou interferindo na vida deles?
Refleti bastante sobre isso esses dias, depois de uma conversa com amigos - um deles contando de uma pegadinha que um conhecido aplicava nos amigos. Ouvindo aquilo e não achando a menor graça, minha reação foi - "mas qual que é o propósito disso??" kkk... em geral nessas circunstâncias sinto que não sou muito compreendida, vêm aqueles comentários "ah a vida não pode ser só seriedade e propósito", "ah era só uma brincadeirinha", "ah que chato se a gente não pode nem dar uma risada de vez em quando".
É curioso pra mim ouvir isso, pq me acho uma pessoa que leva a vida leve e com bastante capacidade de rir, mas de rir COM as pessoas. Como dizer que o propósito de uma pegadinha é se divertir, se não se sabe se a pessoa objeto da pegadinha tá achando graça também? Que valor tem um momento de alegria às custas dos outros? É importante essa diferença entre rir COM os outros e rir DOS outros. A gente só tem o direito de tirar uma com a cara da gente mesmo, e é muito bom não se levar a sério. Mas a gente tem que ser cuidadoso ao entrar no mundo do outro. Claro que quanto mais se conhece alguém intimamente, mais se sabe o que é assunto sensível para aquela pessoa e o que pode ser brincado - esse conhecimento e respeito ao universo do outro permite muitos graus de liberdade nas brincadeiras do dia-a-dia. Falo aqui é da piada ou da pegadinha que acontece sem esse conhecimento mais profundo. Hoje eu busco não compactuar com pegadinhas, me recuso a demonstrar que acho graça de tiração de sarro de terceiros porque a gente nunca sabe o que passa no coração das pessoas, os traumas que elas carregam, o que pra elas é assunto sério. A gente não sabe o quanto tem de dor escondida naquela risadinha sem graça que a pessoa dá - afinal não se vai criar atrito com o amigo/familiar/companheiro por causa de uma piadinha né? Afinal a gente tem que ter "senso de humor", né, e aceitar ser zoado... senão a gente vai ficar com fama no grupo de treteiro, polêmico, sensível demais, "ah não dá pra brincar com o fulano". Então se ignora aquela sensaçãozinha desconfortável, se tenta sair com uma resposta humorística na ponta da língua que reverta a situação e zoe o zoador satisfatoriamente, e lá no fundo se vai absorvendo esses duelos-piada como a forma de interação vigente, o inconsciente vai internalizando a necessidade de defesa - tudo tão, tão sutil, que nem se percebe direito. Vira só uma angústia indefinida pra quem não incorpora naturalmente esse perfil de interação.
É interessante como esse assunto me mobiliza quando surge... eu acredito que o senso de injustiça que me atinge e me faz falar sobre isso é por eu já ter passado por situações o bastante nesse sentido e não sentir a menor familiaridade com esse jeito de conviver. Fui criada numa casa em que não havia tiração de sarro ou pegadinhas, então não aprendi a ser "rápida", a estar sempre ligada pra ver se não tão querendo me pegar, a responder de bate-pronto. Do jeito que o mundo vai, é praticamente um tipo de inocência. Se me falam algo em tom de verdade, eu pressuponho que seja verdade, e não que estejam me tirando. Meu negócio é coração aberto e desarmado, convivência amorosa. Sendo assim, tendo a não achar muita graça nem me sentir muito confortável com isso de estar sempre com um pé atrás como forma padrão de interação - além dos assuntos que nos são delicados e que todos temos. Há pessoas com todos os níveis de sensibilidade, não se pode tomar o todo por aquelas que sinceramente não sentem nada quando são alvo de piadas e pegadinhas, que jogam bem esse jogo do troçar e ser troçado - assim como não se pode tomar todos os negros por aquele que diz que não se afeta com o racismo humorístico nosso de todo dia, que sabe que piadas são ditas apenas com intenção humorística e não devem ser levadas a sério.
Sinto que as pegadinhas e as tirações de sarro genéricas vêm do mesmo saco que as tiradas machistas, racistas, homofóbicas (com muita frequência a piada vem com tons de preconceito contra algum desses grupos). É bullying, em diferentes formatos e graus... é manifestação sutil daquele nível de consciência em que é necessário se sentir mais que o outro pra se sentir bem. A reação das pessoas, diante de alguém que chame atenção para a responsabilidade nesse tipo de brincadeira, muitas vezes é a mesma reação de quem é chamado atenção por sua piadinha preconceituosa "ah mas eu só tava brincando, fulano sabe que eu considero ele pra c*, ele frequenta a minha casa inclusive". Será mesmo que fulano sente só alegria e diversão naquela brincadeira? E mais: será que o troçador se deu conta de que está contribuindo para a manutenção da cultura que gera os comportamentos ostensivamente ofensivos e doentes?
Porque sim, existe a responsabilidade nos casos concretos, que dependem do quanto a gente conhece o interior do outro, e a nossa responsabilidade como mantenedores de uma cultura em sociedade. Essa figurinha aqui embaixo é a coisa mais didática que já encontrei para explicar por que a pegadinha e a piadinha podem ser sim socialmente nocivas:
Essa rotina de fazer social tirando sarro é alimento para essa cultura, para que se perpetuem esses comportamentos que envolvem formas sutis de subjugação - quer ver um exemplo bizarro? É o trote da faculdade. Os bixos ficam lá aceitando situações que nem todos acham confortáveis, porque encarar bem o trote faz parte de se integrar no grupo, fazer amigos entre os colegas novos, se dar bem com os veteranos. E por dentro, começa a se formar o recalque: "faz parte ser courinho nesse momento, mas tudo bem pq no semestre que vem vai chegar minha vez de ser o que fica por cima". Aí já vão arquitetando tudo o que vão fazer com os pobres futuros bixos, que não tinham nada a ver com a formação desse recalque, e assim se perpetua a regra de descontar o que se viveu. "Eu aceito rirem de mim, pq aí vou poder rir dos outros também". (Se quiser ler uma história de como o piadismo irresponsável pode ser danoso, o início desse post conta a história do que fizeram com a maior doadora de leite materno do Brasil, a título de humor.)
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Mensagem implícita lamentável nessa vida de piadismo irresponsável... |
Parece que estou exagerando, que estou fazendo tempestade em copo d'água? Pode parecer. Porque isso tudo acontece num plano muito sutil. É a base da pirâmide de comportamento que sustenta o mundo de competição, de jogo de poder em vários níveis. Como toda base de pirâmide, é um comportamento amplamente disseminado na sociedade e é tão comum que as pessoas mal o percebem, não se dão conta de que há uma alternativa a esse comportamento. E depois se questionam pq existe tanta animosidade no mundo, pq a gente vive como se tivesse que estar sempre se defendendo dos outros. Esse artigo é um maravilhoso complemento à reflexão.
Imagina se o mundo fosse diferente - se as pessoas se honrassem nas menores interações, se acolhessem em vez de rirem umas das outras, se a alegria surgisse de reconhecimentos em comum: a beleza inimaginável que brotaria dos encontros? O crescimento, a irmandade? Não é ilusão. Eu sei que essa minha tendência a naturalmente não achar graça de troçar com a cara alheia é um dos fatores que faz meus amigos compartilharem comigo situações difíceis, me contarem das suas vidas num aspecto mais profundo. De alguma forma, pelo menos o inconsciente deles já sabe que eu não vou fazer pouco nem fazer graça daquele momento de abrir a alma. Sei que a gente pode chegar num ponto de coletividade em que a gente vai poder andar sempre de alma aberta, não vão ser mais necessários os escudos que levantamos pra proteger o que há de mais sensível em nós.
Depende de cada um, da consciência sobre nossos atos, da responsabilidade que assumimos diante da realidade que criamos... e vamos rir, rir muito, nutrir a alegria do coração em paz, do amor que encontra e comunga :) como eu li em uma canalização esses tempos: "E, enquanto despertam neste tempo, seus dons despertarão e habilitarão a outros. Utilizando as ferramentas do riso, do canto, da dança, da alegria, da confiança e do amor vocês estarão criando uma profunda onda de transformação que transmutará as limitações do antigo mito da dualidade e da separação, realizando o milagre da PAZ E UNIDADE NA TERRA."
Bjs com carinho,Fê