segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

Conversas: Sofrência X resiliência, parte 2

Série Conversas: posts surgidos de algum assunto com alguém :-D

Bom dia já em 2017!
Que seja um ciclo de aprendizado no amor :)
Depois de uma noite feliz junto de pessoas amadas, tô aqui acordada primeiro que todo mundo e querendo escrever haha! (post iniciado dia 1o de janeiro hehe)
Depois daquele post sobre a importância do reconhecimento das nossas sombras e tristezas para uma experiência de vida mais profunda e leve, achei q era interessante compartilhar a continuação das minhas matutações sobre essas questões que envolvem resiliência. Esses dias vi um desses quadrinhos no facebook que dizia assim: o pessimista reclama do vento; o otimista espera que o vento mude; e o realista arruma as velas.
Fico um pouco contrariada com essa visão que se tem do otimismo, como se fosse uma atitude necessariamente passiva, um mero esperar que o melhor venha do céu. Eu entendo que a gente pode combinar sim uma atitude pró-ativa com a compreensão de que o andar da carruagem não tá totalmente no nosso controle e que o melhor que a gente pode fazer pela situação, além de agir com discernimento, é ver com bons olhos o que se apresente.
Esses tempos, há uns 2 meses, eu e o Rô fomos num retiro no CEBB Caminho do Meio, nossa primeira vivência num espaço budista. Foi muito especial e o assunto do retiro era "sorrindo frente aos obstáculos". Fazia alguns meses que eu me aproximava das ideias budistas através das postagens do Gustavo Gitti, um queridão que achei no facebook através de uma amiga virtual, que trabalha com transformação pessoal (simples assim: se tivesse uma página só que eu pudesse sugerir que as pessoas seguissem, de tudo o que há no facebook, seria a dele). Foi bem bom ter tido essa introdução pra aproveitar melhor o retiro - saí de lá cheia de luzes e se desse pra resumir os aprendizados com as minhas palavras, acho que seria algo como: todo sofrimento acontece dentro de nós e vem do olhar as coisas com uma visão limitada; quando ampliamos nossa visão, nos damos conta de que o que nos contraria só tem poder pra isso a partir da interação conosco e com a ideia que fazemos das coisas. Fica mais fácil de entender que tá dentro de nós a possibilidade de parar de vê-las de uma forma que nos faz sofrer, ainda que decorrentes de algo que o nosso senso moral entende como negativo e promotor de dor ao redor. Cada um sabe de si, das suas escolhas, e vai estar vinculado ao resultado energético delas - mas quando o comportamento de alguém nos atinge, cabe a nós modular a forma como isso acontece trabalhando nossa paisagem mental. Se o sofrimento fosse compulsório diante de comportamentos imorais que nos atingem, pessoal, social e espiritualmente, a gente tava bem lascado, com tudo o que acontece de ruim por aí né? Ainda bem que não é, por mais desafiador que seja conviver com algo que nos dói e conseguir que isso não se transforme em sofrimento :)
Fiquei um bom tempo depois do retiro ruminando essas noções e achando formas de aplicar nas situações que eu andava passando. Uma delas era a grande questão do ano, a vontade de morar no interior e os esforços que estamos empreendendo nesse sentido. Antes dessa, já tive várias dúvidas práticas que tinham a mesma questão de fundo - devo aguentar uma situação adversa, já que sofrer com a adversidade é só uma tendência da minha cabeça diante de um contexto? Dependendo de como eu lidar, as coisas não me atingem, independente de como sejam; mas como negar que há situações que não me exigem esforço pra não sofrer, e outras que exigem? E mais: faz sentido ficar buscando as situações que não me exigem esforço, se vim pra Terra pra aprender? Porém: conhecendo o gasto energético envolvido em viver na base da resiliência pra não cair na sofrência, será que não vou estar me mantendo longe do meu propósito, aquele caminho que é o meu natural e mais fácil, que vai me permitir florescer e manifestar meu melhor pro mundo?
Vou colar aqui a conversa com um amigo que conhecemos nesse retiro, e que manja bastante dos paranauê e me ajudou a desenredar as coisas de forma mais definitiva pra mim:


Eu:

-fiquei pensando em te comentar sobre a babilônia e depois esqueci kkk
-sabe q muitas vezes q tô passando por lugarzinhos lindos e remotos eu fico pensando: tem gente que vive aquela realidade ali todo dia da sua vida
-o Rô já cansou de me ouvir comentando isso nas viagens kkkk
-pq parece q a gente tá meio condicionado a pensar q a vida tem q ser na muvuca
-oportunidade$ são na cidade blabla
-mas meu coração fica só querendo aquela vidinha desses lugares
-foi bem legal me conectar com essa vontade e ir atrás de morar no interior
Amigo:
-Eu super concordo com o q tu disse mas tb fico pensando q não tem diferença...claro q o interior parece mais humano e tudo, mas acho q a nossa mente pode construir céus e infernos em qualquer lugar
Eu:
-eu tava pensando nisso ontem
-sobre não fazer diferença
-e até onde se pode ou se deve levar essa prática
-pq me parece que não dá pra ignorar que existem pessoas e ambientes que vibram baixo
-aí fico pensando que não há pq escolhê-los por perto de mim se posso escolher diferente, quando eles me demandam mais esforço pra me sentir estável
-pensar sobre não ter diferença entre seres e lugares tem me ajudado muito a não ficar sofrendo e rejeitando quando a circunstância que existe não é aquela onde eu me sinto mais confortável
-tipo, o não fazer diferença é uma ferramenta pro meu mundo interior
-mas nas minhas ações, acho que sigo tendendo a buscar as companhias e circunstâncias de vida que me ajudam a manter minha energia
-tipo isso do onde morar... agora não tô sofrendo por estar aqui ainda (tava sofrendo bastante ao longo desse ano em alguns momentos), mas sei que tenho a intenção de morar no interior
e sei q vai rolar no tempo certo
-penso bastante nisso pq aquele entendimento meio torto do espiritismo me fez cair nuns conformismos de capacho em relacionamentos ao logo da minha vida... então fico tentando entender como trabalhar dentro de mim mas não deixar que minha vida vire só um trabalho interior pra viver bem com circunstâncias adversas :-/
Amigo:
-pensando no que tu disse eu acho assim
-que falando em termos gerais não faz diferença, mas na nossa vida faz sim
-tipo: os lugares não são melhores ou piores, mas a gente se sente bem ou mal neles
-então, é claro que temos de procurar onde nos sentimos melhor
Eu:
-exato :D a nossa coemergência com os lugares dá dica do nosso propósito de vida...
(Coemergência: é a palavra pra definir o fenômeno de que o surgimento dos objetos é inseparável de uma posição mental; a paisagem da mente que vai dar forma ao objeto ["objeto" aqui, pode ser qualquer coisa, inclusive algo abstrato]. Uma metrópole só ganha atributos ao interagir com o meu entendimento dela; sem isso, é vazia em si mesma)
Desde essa ficha caída, ficou bem mais fácil me apaziguar com meu otimismo pró-ativo. O que eu falei ali, sobre o entendimento torto do espiritismo, é essa noção de que a gente veio pro mundo pra expiar, pra pagar os pecados de agora e de antes, uma visão bem contaminada pela culpa e castigo que parece que permeia a história da cultura judaico-cristã. Eu tive momentos da vida de achar que um sofrimento repetitivo na forma de um relacionamento disfuncional era minha sina, minha missão, meu comprometimento. Não nego a importância que esse tipo de experiência teve na minha capacidade de resiliência e ressignificação, no aprofundamento da minha fé, mas também acredito que teria sido um desperdício de vida ter perpetuado aquela circunstância. Lembro com clareza até hoje quando descobri uma frase, ainda dentro do contexto do espiritismo, que parecia ser uma única voz no meio de todas aquelas que me diziam "aguenta, aguenta que tu vai colher frutos na outra vida desse sofrimento bem vivido" - foi a boia salva-vidas que me deu a possibilidade de sair daquela situação de sofrimento sem sentir que estava fugindo da raia, abandonando o barco:
"Ama sempre, mas não te permitas relacionamentos conflituosos sob a justificativa de que tens a missão de salvar o outro, porque ninguém é capaz de tornar feliz aquele que a si mesmo se recusa a alegria de ser pleno." Joanna
Foi esse ensinamento que me permitiu reconhecer quando eu já não estava mais enredada naquela situação e ser pró-ativa na direção de uma vida mais feliz e estável, com gratidão pelo ciclo que se encerrava e por todos os aprendizados que levei comigo. Na vibe jucaico-cristã distorcida, sobra conselho. Até sobre morar na metrópole, ouvi gente dizendo: isso de ir pro interior é fuga, a cidade grande precisa de ti pra ancorar uma consciência diferente, vai fugir da luta e ir lá pro interior onde já tem paz, blablabla... mas a que custo pra mim, mesmo? Não seria me comprometer com um relacionamento conflituoso sob a justificativa de salvar a cidade? Não significa que o conflito seja inerente à cidade; e sim que a minha coemergência com ela não é agradável. O que a gente faz na base do sacrifício com vistas a resultado tem tudo pra gerar sofrimento e frustração. Em todo lugar tem trabalho a ser feito pra mudar a gente e mudar o todo.
A voz da minha coemergência! hehehe
Foi muita libertação pra minha noção de amor e de como levar a vida conhecer os entendimentos orientais, nos últimos anos, pois eles me parecem mais libertos dessa culpa e fustigação da expiação de pecados e me deram a sensação de ter escolhido certo ao agir e não me conformar com viver só de resiliência. Me fizeram entender que o caminho do propósito se acha ao buscar se conhecer de verdade e encontrar o que a gente faz por que é nossa expressão no mundo, e não só na expectativa de resultado; me disseram que "expiar pecados" sem libertar a mente não resolve nada. Se o karma é dívida de aprendizado, o conhecimento e a consciência ampliada libertam do resgate, fecham ciclos. Acho que os aprendizados que nos levam à resiliência são essenciais na vida diante das tantas e tantas circunstâncias que não podemos modificar; mas, diante daquelas que podemos, além do trabalho interior, que nos dará clareza pra agir, cabe a ação mesmo: se conhecer pra caminhar na direção do nosso propósito, ter a coragem para as mudanças necessárias - como diz a linda oração da serenidade, que me acompanha desde que me entendo por gente.
Então, a lição que ficou pra mim é: a gente pode trabalhar a nossa paisagem mental pra não ficar na sofrência com tanta coisa na vida que vem goela abaixo e com um gosto não muito bom. Mas, a partir desse trabalho interior de resiliência, eu sigo achando que o negócio é buscar ativamente aquilo que nos faz bem, quando existe a possibilidade real e sustentável de mudança prática - sem culpa, sem castigo, sem comprometimentos baseados em codependência e sacrifício romantizado; e sim na consciência de que a nossa energia tem que estar vinculada ao nosso propósito e de que a nossa missão de verdade é caminhar na direção disso. Nas palavras do Prem Baba:
“Não queira estar onde você não está. Estando onde estiver, faça o que é necessário durante essa fase para poder criar mais presença. Essa deve ser a sua referência, mesmo que você seja um “detento do muladhara chakra”. Não há nada de errado com o jogo. A complicação é quando a margarida quer se tornar uma rosa; quando o arbusto quer se tornar um eucalipto… Isso é complicado. Estando onde estiver, aprenda o que tem que ser aprendido nesse lugar. Você somente é convidado a mudar de lugar no jogo, quando aprende o que tem para aprender. Lembre-se: karma é uma dívida de aprendizado e não de sofrimento. Tendo aprendido a lição, naturalmente lhe é dada uma nova. Portanto, não importa em que chakra você está, você está ali para aprender a amar desinteressadamente.”
Bjs!