segunda-feira, 29 de maio de 2017

Das coisas que uma mudança traz à tona

Achei a caixinha com os brincos hoje, faz pouco, arrumando o gaveteiro da escrivaninha. Parecia um filme na cabeça me levando de volta pra 2011... eu recém chegada no atendimento ao público no INSS, depois dos meus anos de serviço em Recursos Humanos. Lembro tão bem dos primeiros dias, o impacto do contato com o nosso público tão carente de tanta coisa! Hoje eu sei que só tive uma dimensão um pouco mais precisa do tamanho dos meus privilégios depois de conviver mais de perto com nossos segurados e com os candidatos à assistência social. Até então, eu vivia numa bolha feita de escola particular, universidade federal, bairro legal... tinha aquela noção bem difusa e distante da tal pobreza, da tal ignorância.
E aí tava eu numa agência do INSS, por escolha minha, já que eu quis vir embora de Brasilia. Eu sonhava com os atendimentos com frequência naquelas primeiras semanas. Lembro de alguns dos primeiros segurados, até hoje, com clareza. O senhor que me contou que a vizinha tinha recomendado que ele parasse de tomar banho uma semana antes da perícia, porque não saía benefício pra gente limpa, e que me perguntou se aquilo era verdade; a senhorinha melancólica dizendo que envelhecer era difícil, porque velho começa a pensar nas coisas da vida e aí que a gente vê que a vida não é fácil; a senhora que não falava, ombros curvos, o marido andando na frente dela em direção ao guichê e respondendo às perguntas meio intimidador, como se o atendimento fosse para ele; as pessoas que choravam emocionadas com suas aposentadorias de um salário mínimo; a senhorinha infartada e os brincos.
A senhorinha infartada foi o primeiro caso complexo que adotei, desses que só se desenrolam quando alguém os adota, se alguém os adotar. Mais um daqueles tantos em que um empregador não recolheu INSS devidamente, e em que o ônus da prova recai sobre uma pessoa que fazia tudo certinho. O difícil é que eu não sabia coisa nenhuma de legislação de benefício na época, então pra resolver o pepino eu tinha que sair perguntando pra os colegas, todos ocupadíssimos no atendimento, e não entendia a resposta que eles davam hehe. Talvez por toda a dificuldade técnica daquele momento, junto com a grande vontade de ajudar e a sensação de impotência, aquela história foi tão marcante pra mim.
No dia em que conheci a senhorinha, escrevi depois sobre ela para minhas colegas de Brasília, com quem trabalhava meses antes, pra desopilar o coração. Acho que é o retrato mais fiel do meu sentimento naquele momento:
"Em 18 de outubro de 2011:
(...)
Agora, com que cara um servidor diz pro segurado: o erro foi do seu patrão, mas a senhora com esse coração infartado que vai ter que correr atrás de provar que trabalhou nesse tempo se quiser ter direito a benefício - eu não sei! Eu tava quase chorando enquanto dizia pra ela que o INSS precisa trabalhar com provas para um período sem contribuição. E acho que ela percebeu minha agonia, pois me agradeceu pela atenção e por explicar direitinho pra ela o que precisava fazer. Tão quietinha, nem se indignou, comigo ou com o INSS ou com o empregador, como que esperando que o pato sempre sobrasse pra ela pagar.
Ela foi embora e fiquei pensando em como, meu Deus, as pessoas pobres sofrem nesse mundo e perdem seus direitos, pelo pouco acesso à informação, pela pouca importância que lhes dão, pelas dificuldades burocráticas que emperram a vida de quem faz tudo certo, pelas provas que temos que dar pois a má-fé uns invalida a palavra de todos.
(...)
Li hoje um texto de um servidor de Niterói que me fez lembrar das minhas matutuações dos últimos dias. Acho que só não caio na prostração e indignação que ele sente pois desde que comecei a atender público, sinto que a minha responsabilidade é com cada cidadão que senta aqui. Não é com Ministro, com Presidente, com metas - é com a pessoa que senta na minha frente. Quanto mais a pessoa é privada de sua dignidade e cidadania no dia-a-dia, maior minha responsabilidade. Claro que eu queria que toda a máquina fosse diferente e que todos fossem tratados igualmente - mas, como diz o Drummond, só tenho duas mãos, então antes fazer a minha parte que gastar energia me indignando com uma engrenagem que não vai mudar só pela minha indignação. Teve dias que de tão cansada e de tantos segurados esperando eu não podia fazer mais do que sorrir enquanto atendia voando e adiar um pouco mais o almoço, mas se é isso que dá pra fazer, que seja. Os figurões vão seguir dando carteiraço, tendo prioridades e licenças especiais e tudo mais, mas o meu protesto silente é tratar com toda a deferência que a minha posição permite as pessoas mais desprovidas de direitos que aparecem aqui. Minha consciência fica mais tranquila, as pessoas que eu atendo parecem sair felizes, ou conformadas pelo menos, e eu posso achar uma razão, um objetivo de vida neste trabalho tão igual todo dia, e tão desgastante às vezes.
Eu sempre disse que minha realização reside mais na minha vida pessoal que na profissional, e me parece que eu descobri um jeito de fazer meu trabalho funcionar pra minha realização pessoal... que bom :)
Agora que eu desabafei com vocês, já até passou a vontade de chorar e eu já posso tomar o rumo de casa... salão vazio na agência e buzinas lá fora.
(...)"
Tanto tempo, tantas experiências desde aquele outubro de 2011! O atendimento ao público realmente ganhou meu coração, como eu já suspeitava enquanto escrevia esse email. A história da senhorinha acabou "bem" - marcamos um depoimento com o empregador e com ela, a fim de reconhecer a continuação daquele vínculo de doméstica que estava sem recolhimentos há 7 anos, aprendi a fazer os acertos necessários no cadastro dela, a revisão no benefício negado, e ela teve direito a um salário mínimo mensal de auxílio-doença. Ela ficou tão grata que me trouxe um par de brincos numa caixinha antiga. Pediu que eu ficasse com eles pra lembrar dela. Fiquei muito emocionada, ela também.
E eu não lembrei mais o nome dela, nem sei como ficou a continuidade do benefício - meses depois eu fui da agência de Canoas para a de Osório, e comigo foi a caixinha dos brincos. Nunca os usei, e os tinha sempre por perto em casa, um lembrete pra não perder a essência do que eu queria ser no trabalho. No fim, o lembrar dela a partir dessa essência era um lembrar muito mais forte do que lembrar do nome ou do rosto.
Em alguma mudança que veio depois, a caixinha foi da estante para uma gaveta. E nessa mudança de agora, ela surgiu em meio à limpeza e organização. Que lembrança querida, que viagem no tempo ler novamente esse email, lembrar da Fê assombrada com os primeiros impactos do atendimento ao público no INSS. A gente vai ficando prática, vai aprendendo a trabalhar, ganha um jogo de cintura, aprende a não entrar com tudo no sofrimento do segurado, vai conhecendo as mentirinhas que por vezes nos contam no balcão; tudo isso é o natural. Mas eu peço, nas minhas preces, pra nunca perder a ternura, nunca perder o comprometimento com as pessoas e a fé nelas. Os brincos agora vão pro altar, onde fazemos nossas preces aqui em casa. É bom lembrar por que estamos nos lugares em que a vida nos colocou...
Bjos!

quinta-feira, 27 de abril de 2017

Interiorizando, afinal!

Oi queridos :)
Hoje é 18 de dezembro de 2016 e estou escrevendo esse post para que ele seja postado em algum momento do início do ano que vem.
É um post em comemoração à minha remoção! Hoje, 18 de dezembro de 2016, ela ainda não aconteceu, mas eu resolvi escrever desde já porque 1) não terei tempo de escrever uma vez que a remoção saia, já que eu vou estar bem envolvida com a mudança, e 2) porque nesse momento, dezembro de 2016, é disso que eu tenho vontade de falar. Ontem encontrei várias pessoas queridas numa feira de rua de produtos orgânicos e artesanais em Novo Hamburgo, e naquela conversa de oi-tudo bem-como vai com elas eu me dei conta de que só o que saía naturalmente como definição do meu status presente é: "tá tudo lindo, me preparando pra morar no interior". É o meu estado real, sincero, que eu parei de negar com medo de estar caindo na armadilha da antecipação, e que curiosamente agora tá bem dissociada da aflição da qual eu falei aqui, durante os processos de remoção anteriores, que tomaram todo o nosso ano de 2016. Eu já quis muito controlar e planejar o momento da nossa ida pro interior, e claro que isso trouxe uma carga considerável de sofrimento. Mas sinto que o que eu vivo hoje não é isso. Aqui, agora, é um aproveitar cada dia aqui na vida de região metropolitana, no apartamento com vista pra garagem, e me dar conta de que as coisas que naturalmente despertam meu interesse hoje vão ter muito mais espaço num ambiente de interior, e aceitar que tá tudo bem, que minha hora vai chegar, que o ritmo dessa mudança não tá nas minhas mãos. A vida tem sido bem alegre, temos estado com frequência com nossos amigos e nossa família, temos plantado e aproveitado o espaço que temos em Sapucaia pra plantar e testar mini construções paisagísticas, temos viajado pra lugares que espelham a realidade que queremos viver. Não existe mais a contagem regressiva que eu andava fazendo naquele período aflito pela mudança; é apenas a constatação de que minha forma de aproveitar cada dia é aquela de uma pessoa que quer viver no interior, e que sabe que em algum momento vai.
Sexta-feira eu andava em Porto Alegre e mais uma vez me colava o Eddie Vedder na cabeça cantando Society: essa ganância é um mistério pra mim... é muito legal essa letra e reflete muito da minha perplexidade sobre o ponto a que chegamos como civilização.
Já faz mais de ano que, junto com o processo de redescobrir a natureza, eu fui meio que me incompatibilizando com a cidade muito grande - os barulhos, cheiros, as pessoas aos montes se cruzando na rua sem nenhum reconhecimento umas das outras, as interações baseadas em medo e competição, a ostentação dos materialmente ricos, a degradação dos materialmente miseráveis, a falta do verde, as relações de poder históricas - tácitas mas claras para aqueles que já estão com os olhos de ver. Com esses olhos de ver que eu tenho andado nas cidades maiores. Esteio, por mais tranquila que seja do que Porto, é urbana o suficiente pra não me inspirar nada muito diferente. Fico fazendo um esforço de consciência pra não ficar julgando desnecessariamente, simplesmente observar e focar no que há de bom - claro, há o bom sempre, em todo lugar, e muitas iniciativas do bem apenas encontram espaço nos maiores centros urbanos. Observo e aceito, apenas, que prefiro estar na paz do meu verdinho.
Quando falo em ir pro interior, falo tanto de estar vinculada a uma cidade de pequeno porte - e eu, sim, fico muito feliz com a ideia de estar perto de uma cidade, não tenho vontade de me enfurnar no topo da montanha e viver como monge hehe -, quanto de ter um espaço que me permita o contato com a terra. A vontade de cidade pequena veio antes, já há uns 6 anos, quando morava em Brasília e planejei meu retorno pro Rio Grande do Sul. Eu gosto de como as relações humanas e institucionais funcionam nas cidades bem pequenas, parece que não rola tanto aquela vida em castas como na cidade maior - filhos dos ricos na escola particular e filhos dos pobres na escola pública, o SUS precário de um lado e o hospital bem chique do outro. Não tem espaço pra muito luxo, restaurantes muito gourmetizados, shopping centers. Eu me sinto à vontade nessa simplicidade, nessa desigualdade social menos ostensiva. As pessoas têm mais espaço pra viverem as coisas reais da vida, a rua efetivamente é espaço de convívio, as crianças são mais livres, não ficam naquele binômio arrepiante apartamento-shopping que leva os pais a não darem conta da energia natural da infância e recorrerem com uma frequência crescente a remedinhos pra elas...
A autonomia tem muito apelo pra mim também, a cidade pequena é um lugar em que ter um pátio faz parte da vida, a pobreza não é miserável pq alguma coisa de comida sempre se planta em casa. Na grande cidade saturada de gente, os cubículos de concreto me dão a sensação de falta completa de autonomia - se depende de suprimento externo pra comer, beber - todo o básico da vida é suprido apenas na troca por dinheiro, aí ter ou não uma fonte de dinheiro vira a tônica da vida. Aí já entra minha vontade de um espaço maior do que só um terreno de cidade e poder plantar mais. Eu tenho tido cada vez mais vontade de autonomia, de ser capaz de suprir o básico da minha existência a partir do meu espaço, uma ideia que se fortaleceu no nosso contato com a permacultura, com a vontade de comer comida limpa e de não financiar empresas com posturas político-econômicas predatórias.

Então... por todas essas e mais a nossa vontade de pé da terra que firmamos nossa intenção pro universo de ir pro interior, naquele momento de vida em que algumas pessoas pensam que a gente tinha mais era que seguir estudando e galgando degraus profissionais pra ganhar mais e mais. É tão bom seguir a voz do coração em vez de a voz do senso comum :) é tão bom não ter medo de se jogar numa mudança assim - claro, se jogar com confiança mas com responsabilidade - e saber que a gente não precisa acertar sempre, e que se não for bem o que a gente esperava, a gente sempre vai poder mudar de novo e de novo, afinal não tem nenhum problema em errar, e ficar bem paradinho com medo de errar é meio que morrer antes do tempo.
Que seja uma linda jornada!
Bjs com carinho,

Obs.: agora, em abril, lendo esse post, percebo que outros movimentos ocorreram - aquela dissonância forte em relação às grandes cidades diminuiu, a ponto de essa semana eu ter transitado em paz por São Paulo - me fazendo pensar que a paz real tá dentro, sempre... no mais, segue o post da forma em que foi escrito meses atrás :-)

segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

Conversas: Sofrência X resiliência, parte 2

Série Conversas: posts surgidos de algum assunto com alguém :-D

Bom dia já em 2017!
Que seja um ciclo de aprendizado no amor :)
Depois de uma noite feliz junto de pessoas amadas, tô aqui acordada primeiro que todo mundo e querendo escrever haha! (post iniciado dia 1o de janeiro hehe)
Depois daquele post sobre a importância do reconhecimento das nossas sombras e tristezas para uma experiência de vida mais profunda e leve, achei q era interessante compartilhar a continuação das minhas matutações sobre essas questões que envolvem resiliência. Esses dias vi um desses quadrinhos no facebook que dizia assim: o pessimista reclama do vento; o otimista espera que o vento mude; e o realista arruma as velas.
Fico um pouco contrariada com essa visão que se tem do otimismo, como se fosse uma atitude necessariamente passiva, um mero esperar que o melhor venha do céu. Eu entendo que a gente pode combinar sim uma atitude pró-ativa com a compreensão de que o andar da carruagem não tá totalmente no nosso controle e que o melhor que a gente pode fazer pela situação, além de agir com discernimento, é ver com bons olhos o que se apresente.
Esses tempos, há uns 2 meses, eu e o Rô fomos num retiro no CEBB Caminho do Meio, nossa primeira vivência num espaço budista. Foi muito especial e o assunto do retiro era "sorrindo frente aos obstáculos". Fazia alguns meses que eu me aproximava das ideias budistas através das postagens do Gustavo Gitti, um queridão que achei no facebook através de uma amiga virtual, que trabalha com transformação pessoal (simples assim: se tivesse uma página só que eu pudesse sugerir que as pessoas seguissem, de tudo o que há no facebook, seria a dele). Foi bem bom ter tido essa introdução pra aproveitar melhor o retiro - saí de lá cheia de luzes e se desse pra resumir os aprendizados com as minhas palavras, acho que seria algo como: todo sofrimento acontece dentro de nós e vem do olhar as coisas com uma visão limitada; quando ampliamos nossa visão, nos damos conta de que o que nos contraria só tem poder pra isso a partir da interação conosco e com a ideia que fazemos das coisas. Fica mais fácil de entender que tá dentro de nós a possibilidade de parar de vê-las de uma forma que nos faz sofrer, ainda que decorrentes de algo que o nosso senso moral entende como negativo e promotor de dor ao redor. Cada um sabe de si, das suas escolhas, e vai estar vinculado ao resultado energético delas - mas quando o comportamento de alguém nos atinge, cabe a nós modular a forma como isso acontece trabalhando nossa paisagem mental. Se o sofrimento fosse compulsório diante de comportamentos imorais que nos atingem, pessoal, social e espiritualmente, a gente tava bem lascado, com tudo o que acontece de ruim por aí né? Ainda bem que não é, por mais desafiador que seja conviver com algo que nos dói e conseguir que isso não se transforme em sofrimento :)
Fiquei um bom tempo depois do retiro ruminando essas noções e achando formas de aplicar nas situações que eu andava passando. Uma delas era a grande questão do ano, a vontade de morar no interior e os esforços que estamos empreendendo nesse sentido. Antes dessa, já tive várias dúvidas práticas que tinham a mesma questão de fundo - devo aguentar uma situação adversa, já que sofrer com a adversidade é só uma tendência da minha cabeça diante de um contexto? Dependendo de como eu lidar, as coisas não me atingem, independente de como sejam; mas como negar que há situações que não me exigem esforço pra não sofrer, e outras que exigem? E mais: faz sentido ficar buscando as situações que não me exigem esforço, se vim pra Terra pra aprender? Porém: conhecendo o gasto energético envolvido em viver na base da resiliência pra não cair na sofrência, será que não vou estar me mantendo longe do meu propósito, aquele caminho que é o meu natural e mais fácil, que vai me permitir florescer e manifestar meu melhor pro mundo?
Vou colar aqui a conversa com um amigo que conhecemos nesse retiro, e que manja bastante dos paranauê e me ajudou a desenredar as coisas de forma mais definitiva pra mim:


Eu:

-fiquei pensando em te comentar sobre a babilônia e depois esqueci kkk
-sabe q muitas vezes q tô passando por lugarzinhos lindos e remotos eu fico pensando: tem gente que vive aquela realidade ali todo dia da sua vida
-o Rô já cansou de me ouvir comentando isso nas viagens kkkk
-pq parece q a gente tá meio condicionado a pensar q a vida tem q ser na muvuca
-oportunidade$ são na cidade blabla
-mas meu coração fica só querendo aquela vidinha desses lugares
-foi bem legal me conectar com essa vontade e ir atrás de morar no interior
Amigo:
-Eu super concordo com o q tu disse mas tb fico pensando q não tem diferença...claro q o interior parece mais humano e tudo, mas acho q a nossa mente pode construir céus e infernos em qualquer lugar
Eu:
-eu tava pensando nisso ontem
-sobre não fazer diferença
-e até onde se pode ou se deve levar essa prática
-pq me parece que não dá pra ignorar que existem pessoas e ambientes que vibram baixo
-aí fico pensando que não há pq escolhê-los por perto de mim se posso escolher diferente, quando eles me demandam mais esforço pra me sentir estável
-pensar sobre não ter diferença entre seres e lugares tem me ajudado muito a não ficar sofrendo e rejeitando quando a circunstância que existe não é aquela onde eu me sinto mais confortável
-tipo, o não fazer diferença é uma ferramenta pro meu mundo interior
-mas nas minhas ações, acho que sigo tendendo a buscar as companhias e circunstâncias de vida que me ajudam a manter minha energia
-tipo isso do onde morar... agora não tô sofrendo por estar aqui ainda (tava sofrendo bastante ao longo desse ano em alguns momentos), mas sei que tenho a intenção de morar no interior
e sei q vai rolar no tempo certo
-penso bastante nisso pq aquele entendimento meio torto do espiritismo me fez cair nuns conformismos de capacho em relacionamentos ao logo da minha vida... então fico tentando entender como trabalhar dentro de mim mas não deixar que minha vida vire só um trabalho interior pra viver bem com circunstâncias adversas :-/
Amigo:
-pensando no que tu disse eu acho assim
-que falando em termos gerais não faz diferença, mas na nossa vida faz sim
-tipo: os lugares não são melhores ou piores, mas a gente se sente bem ou mal neles
-então, é claro que temos de procurar onde nos sentimos melhor
Eu:
-exato :D a nossa coemergência com os lugares dá dica do nosso propósito de vida...
(Coemergência: é a palavra pra definir o fenômeno de que o surgimento dos objetos é inseparável de uma posição mental; a paisagem da mente que vai dar forma ao objeto ["objeto" aqui, pode ser qualquer coisa, inclusive algo abstrato]. Uma metrópole só ganha atributos ao interagir com o meu entendimento dela; sem isso, é vazia em si mesma)
Desde essa ficha caída, ficou bem mais fácil me apaziguar com meu otimismo pró-ativo. O que eu falei ali, sobre o entendimento torto do espiritismo, é essa noção de que a gente veio pro mundo pra expiar, pra pagar os pecados de agora e de antes, uma visão bem contaminada pela culpa e castigo que parece que permeia a história da cultura judaico-cristã. Eu tive momentos da vida de achar que um sofrimento repetitivo na forma de um relacionamento disfuncional era minha sina, minha missão, meu comprometimento. Não nego a importância que esse tipo de experiência teve na minha capacidade de resiliência e ressignificação, no aprofundamento da minha fé, mas também acredito que teria sido um desperdício de vida ter perpetuado aquela circunstância. Lembro com clareza até hoje quando descobri uma frase, ainda dentro do contexto do espiritismo, que parecia ser uma única voz no meio de todas aquelas que me diziam "aguenta, aguenta que tu vai colher frutos na outra vida desse sofrimento bem vivido" - foi a boia salva-vidas que me deu a possibilidade de sair daquela situação de sofrimento sem sentir que estava fugindo da raia, abandonando o barco:
"Ama sempre, mas não te permitas relacionamentos conflituosos sob a justificativa de que tens a missão de salvar o outro, porque ninguém é capaz de tornar feliz aquele que a si mesmo se recusa a alegria de ser pleno." Joanna
Foi esse ensinamento que me permitiu reconhecer quando eu já não estava mais enredada naquela situação e ser pró-ativa na direção de uma vida mais feliz e estável, com gratidão pelo ciclo que se encerrava e por todos os aprendizados que levei comigo. Na vibe jucaico-cristã distorcida, sobra conselho. Até sobre morar na metrópole, ouvi gente dizendo: isso de ir pro interior é fuga, a cidade grande precisa de ti pra ancorar uma consciência diferente, vai fugir da luta e ir lá pro interior onde já tem paz, blablabla... mas a que custo pra mim, mesmo? Não seria me comprometer com um relacionamento conflituoso sob a justificativa de salvar a cidade? Não significa que o conflito seja inerente à cidade; e sim que a minha coemergência com ela não é agradável. O que a gente faz na base do sacrifício com vistas a resultado tem tudo pra gerar sofrimento e frustração. Em todo lugar tem trabalho a ser feito pra mudar a gente e mudar o todo.
A voz da minha coemergência! hehehe
Foi muita libertação pra minha noção de amor e de como levar a vida conhecer os entendimentos orientais, nos últimos anos, pois eles me parecem mais libertos dessa culpa e fustigação da expiação de pecados e me deram a sensação de ter escolhido certo ao agir e não me conformar com viver só de resiliência. Me fizeram entender que o caminho do propósito se acha ao buscar se conhecer de verdade e encontrar o que a gente faz por que é nossa expressão no mundo, e não só na expectativa de resultado; me disseram que "expiar pecados" sem libertar a mente não resolve nada. Se o karma é dívida de aprendizado, o conhecimento e a consciência ampliada libertam do resgate, fecham ciclos. Acho que os aprendizados que nos levam à resiliência são essenciais na vida diante das tantas e tantas circunstâncias que não podemos modificar; mas, diante daquelas que podemos, além do trabalho interior, que nos dará clareza pra agir, cabe a ação mesmo: se conhecer pra caminhar na direção do nosso propósito, ter a coragem para as mudanças necessárias - como diz a linda oração da serenidade, que me acompanha desde que me entendo por gente.
Então, a lição que ficou pra mim é: a gente pode trabalhar a nossa paisagem mental pra não ficar na sofrência com tanta coisa na vida que vem goela abaixo e com um gosto não muito bom. Mas, a partir desse trabalho interior de resiliência, eu sigo achando que o negócio é buscar ativamente aquilo que nos faz bem, quando existe a possibilidade real e sustentável de mudança prática - sem culpa, sem castigo, sem comprometimentos baseados em codependência e sacrifício romantizado; e sim na consciência de que a nossa energia tem que estar vinculada ao nosso propósito e de que a nossa missão de verdade é caminhar na direção disso. Nas palavras do Prem Baba:
“Não queira estar onde você não está. Estando onde estiver, faça o que é necessário durante essa fase para poder criar mais presença. Essa deve ser a sua referência, mesmo que você seja um “detento do muladhara chakra”. Não há nada de errado com o jogo. A complicação é quando a margarida quer se tornar uma rosa; quando o arbusto quer se tornar um eucalipto… Isso é complicado. Estando onde estiver, aprenda o que tem que ser aprendido nesse lugar. Você somente é convidado a mudar de lugar no jogo, quando aprende o que tem para aprender. Lembre-se: karma é uma dívida de aprendizado e não de sofrimento. Tendo aprendido a lição, naturalmente lhe é dada uma nova. Portanto, não importa em que chakra você está, você está ali para aprender a amar desinteressadamente.”
Bjs!